(1874) VERDI Réquiem

Messa da Requiem (Missa de Réquiem)
Messa da Requiem, Per l'anniversario della morte di Alessandro Manzoni XXII Maggio MDCCCLXXIV (na data da estreia, aniversário de um ano da morte do escritor Alessandro Manzoni)

Compositor: Giuseppe Verdi
Número de catálogo: (não tem)
Data da composição: 1868 e 1874
Estréia: 22 de maio de 1874 - Chiesa di San Marco, Milão, o compositor regendo, com os solistas Teresa Stolz (soprano), Maria Waldmann (mezzo-soprano), Giuseppe Capponi (tenor) e Ormondo Maini (baixo)

Duração: de 1 hora e 15 minutos a 1 hora e 40 minutos
Efetivo: 1 Soprano, 1 Mezzo-soprano, 1 Tenor, 1 Bass; Coro completo (sopranos, contraltos, tenores e baixos); 3 flautas (1 alternando com piccolo), 2 oboés, 2 clarinetas, 4 fagotes, 4 trompas, 8 trompetes, 3 trombones, 1 tuba, tímpano, bumbo, as cordas (primeiros-violinos, segundos-violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)

O mundo da Ópera tinha na Itália não só suas origens, mas seus grandes nomes. Mesmo Mozart, austríaco, escrevia no legítimo estilo operístico italiano. A primeira metade do século XIX venerou Rossini como o grande operista da Europa (para horror de Beethoven, que detestava o histrionismo do gênero e quis, sem sucesso, compor algo de envergadura mais voltada à seriedade). Rossini, autor do inesquecível "O Barbeiro de Sevilha" morre em 1868, e a Itália (ainda esperando por sua unificação) tinha agora a figura de Verdi para como o nome maior a venerar: a "Traviata" e o "Trovador" eram sucessos retumbantes.

Foi para homenagear o grande Rossini que Verdi iniciou um projeto de um Réquiem, uma "Messa per Rossini". Juntaram-se a Verdi outros 12 compositores italianos famosos à época para, cada um responsável por um trecho, promover a Missa para Rossini. Verdi escreveu o "Libera me", trecho final. Devido a intrigas e disputas de ego, o comitê organizador dissolveu-se dias antes da data marcada para a primeira apresentação. A obra não foi encenada, caiu no esquecimento, e acreditava-se perdida, e nem se sabia se estava completa. Re-descoberta em 1970, veio a ser tocada pela primeira vez pelo maestro Helmut Hilling em 1988 — 120 anos depois!

Mas, o Réquiem ainda estava por vir. Em 1873 morre o grande escritor Alessandro Manzoni, a quem Verdi conhecia e muito admirava. Ambos haviam sido nomes importantes do Risorgimento (movimento que culminou com a unificação da Itália em 1870), e Verdi resolve re-trabalhar aquele "Libera me" da Missa para Rossini e dedicar a Manzoni um grande Réquiem, desta vez todo composto por ele.

A obra foi apresentada a 22 de maio de 1874, no aniversário de um ano da morte de Manzoni, na Igreja de São Marco em Milão, Verdi regendo. Logo depois seria tocada no Teatro Scala, templo máximo da ópera na Europa, e em seguida em Paris e Londres.

I. Requiem æternam — Kyrie (Solistas e coro):
Requiem æternam dona eis, Domine, 
Repouso eterno dá-lhes, Senhor,
Et lux perpetua luceat eis. 
E luz perpétua os ilumine.
Te decet hymnus, Deus, in Sion,
Tu és digno de hinos, ó Deus, em Sião,
et tibi reddetur votum in Jerusalem: 
e a ti rendemos homenagens em Jerusalém:
Exaudi orationem meam, 
Ouve a minha oração,
ad te omnis caro veniet. 
diante de Ti toda carne comparecerá.
Requiem aeternam dona eis, Domine, 
Repouso eterno dá-lhes, Senhor,
Et lux perpetua luceat eis. 
E luz perpétua os ilumine.
Kyrie eleison. 
Senhor, tem piedade.
Christe eleison. 
Cristo, tem piedade.
Kyrie eleison. 
Senhor, tem piedade.

II. Dies iræ (Coro):
Dies iræ, dies illa 
Dia de ira, aquele dia
solvet sæclum in favilla 
no qual os séculos se desfarão em cinzas
teste David cum Sibylla. 
assim testificam Davi e Sibila.
Quantus tremor est futurus, 
Quanto temor haverá então,
Quando judex est venturus, 
Quando o Juiz vier,
Cuncta stricte discussurus. 
Para julgar com rigor todas as coisas.

III. Tuba mirum (Baixo e Coro):
Tuba mirum spargens sonum 
A trombeta poderosa espalha seu som
per sepulcra regionum, 
pela região dos sepulcros,
coget omnes ante thronum.
para juntar a todos diante do trono.
Mors stupebit et natura 
A morte e a natureza se espantarão
cum resurget creatura, 
com as criaturas que ressurgem,
judicanti responsura. 
para responderem ao juízo.
 
IV. Liber scriptus (Mezzo-soprano e Coro):
Liber scriptus proferetur, 
Um livro será trazido,
in quo totum continetur, 
no qual tudo está contido,
unde mundus judicetur. 
pelo qual o mundo será julgado.
Judex ergo cum sedebit, 
Logo que o juiz se assente,
quidquid latet apparebit: 
tudo o que está oculto, aparecerá:
nil inultum remanebit. 
nada ficará impune.
 
V. Quid sum miser (Soprano, Mezzo-soprano e Tenor):
Quid sum miser tunc dicturus? 
O que eu, miserável, poderei dizer?
Quem patronum rogaturus, 
A que patrono recorrerei,
cum vix justus sit seccurus? 
quando apenas o justo estará seguro?

VI. Rex tremendæ (Todos):
Rex tremendæ majestatis, 
Ó Rei, de tremenda majestade,
qui salvandos salvas gratis, 
que ao salvar, salva gratuitamente,
salva me, fons pietatis. 
salva a mim, ó fonte de piedade.

VII. Recordare (Soprano e Mezzo-soprano):
Recordare, Jesu pie, 
Lembra-te, ó Jesus piedoso,
quod sum causa tuae viæ, 
que fui a causa de tua peregrinação,
ne me perdas illa die. 
não me perca naquele dia.
Quaerens me, sedisti lassus 
Procurando-me, ficaste exausto
redemisti crucem passus 
me redimiste morrendo na cruz
tantus labor non sit cassus. 
que tanto trabalho não seja em vão.
Juste judex ultionis, 
Juiz de justo castigo,
donum fac remissionis 
dai-me o dom da remissão
ante diem rationis 
diante do dia da razão
 
VIII. Ingemisco (Tenor):
Ingemisco tamquam reus 
Choro e gemo como um réu
culpa rubet vultus meus 
a culpa enrubesce meu semblante
supplicanti parce, Deus. 
a este suplicante poupai, ó Deus.
Qui Mariam absolvisti, 
Tu, que absolveste a Maria,
et latronem exaudisti 
e ao ladrão ouviste
mihi quoque spem dedisti. 
a mim também deste esperança.
Preces meæ non sunt dignæ 
Minhas preces não são dignas
sed tu bonus fac benigne, 
sê bondoso e faça misericórdia,
ne perenni cremer igne. 
que eu não queime no fogo eterno.
Inter oves locum praesta 
Dai-me lugar entre as ovelhas
et ab haedis me sequestra 
e afastai-me dos bodes
statuens in parte dextra. 
que eu me assente à Tua direita.

IX. Confutatis (Baixo e Coro):
Confutatis maledictis 
Condenados os malditos
flammis acribus addictis 
e lançados às chamas devoradoras
voca me cum benedictis. 
chama-me junto aos benditos.
Oro supplex et acclinis 
Oro, suplicante e prostrado
cor contritum quasi cinis 
o coração contrito, quase em cinzas
gere curam mei finis. 
tomai conta do meu fim.

X. Lacrimosa (Todos):
Lacrimosa dies illa 
Dia de lágrimas será aquele
qua resurget ex favilla 
no qual os ressurgidos das cinzas
judicandus homo reus. 
serão julgados como réus.
Huic ergo parce, Deus
A este poupa, ó Deus
pie Jesu Domine 
piedoso Senhor Jesus
Dona eis requiem, Amen.
Dá-lhes repouso. Amém.

XI. Domine Jesu (Soprano, Mezzo-soprano, Tenor e Baixo):
Domine Jesu Christe, Rex gloriæ, 
Senhor Jesus Cristo, Rei da Glória,
libera animas omnium fidelium defunctorum 
liberta as almas de todos os que morreram fiéis
de poenis inferni et de profundo lacu: 
das penas do inferno e do lago profundo:
Libera eas de ore leonis, 
Libertai-as da boca do leão
Ne absorbeat eas tatarus, ne cadant in obscurum: 
Que não sejam absorvidas no inferno, nem caiam na escuridão:
Sed signifer sanctus Michael repraesentet eas in lucem sanctam: 
Mas que o santo arcanjo Miguel as introduza na luz santa:
Quam olim Abrahae promisiti et semini ejus. 
Conforme prometeste a Abraão e à sua descendência.

XII. Hostias (Soprano, Mezzo-soprano, Tenor e Baixo):
Hostias et preces tibi, Domine, laudis offerimus: 
Sacrifícios e preces a Ti, Senhor, oferecemos com louvores:
Tu suscipe pro animabus illis, 
Recebe-os em favor daquelas almas,
quarum hodie memoriam facimus: 
Das quais hoje nos lembramos:
Fac eas, Domine, de morte transire ad vitam. 
Fazei-as, Senhor, da morte passarem para a vida.
Quam olim Abrahae promisisti et semini ejus. 
Conforme prometeste a Abraão e à sua descendência.

XIII. Sanctus — Benedictus (Coro):
Sanctus, Sanctus, Sanctus Dominus, Deus Sabaoth. 
Santo, Santo, Santo, Senhor Deus dos Exércitos.
Pleni sunt coeli et terra gloria tua. 
Cheios estão os céus e a terra da Tua glória.
Hosanna in excelsis. 
Hosana nas alturas.
Benedictus, qui venit in nomine Domini
Bendito o que vem em nome do Senhor
Hosanna in excelsis. 
Hosana nas alturas.

XIV. Agnus Dei (Soprano, Tenor e Coro):
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi: donna eis requiem. 
Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo: dai-lhes o repouso.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi: donna eis requiem sempiternam. 
Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo: dai-lhes o repouso eterno.

XV. Lux æterna (Mezzo-soprano, Tenor e Baixo):
Lux æterna luceat eis, Domine: 
Que a luz eterna os ilumine, Senhor:
Cum Sanctis tuis in aeternum: quia pius es. 
Com os teus santos pela eternidade: pois és piedoso.
Requiem aeternam dona eis, Domine: 
Repouso eterno dá-lhes, Senhor:
Et lux perpetua luceat eis. 
E que a luz perpétua os ilumine.
Cum Sanctis tuis in aeternum: quia pius es. 
Com os teus santos pela eternidade: pois és piedoso.
 
[Verdi acrescentou, ao final de seu Réquiem, o responsório  "Libera me", o que confere à missa cantada ainda mais dramaticidade]:

XVI. Libera me (Soprano, Coro, depois todos):
Libera me, Domine, de morte æterna,
Livra-me Senhor da morte eterna
In die illa tremenda:
Naquele dia tremendo: 
Quando coeli movendi sunt et terra
Quando os céus e a terra se revirarem
Dum veneris judicare sæculum per ignem
Então virás julgar os povos através do fogo
Tremens factus sum ego, et timeo,
Ponho-me a tremer, e tenho medo,  
Dum discussio venerit, atque ventura ira.
quando o abalo vier juntamente com a fúria futura.
Dies illa, dies iræ, calamitatis et miseriæ,
Naquele dia de ira, de calamidade e miséria, 
Dies magna et amara valde.
dia de grande e excessiva dor.
Requiem æternam dona eis, domine: 
O descanso eterno dá-lhes, Senhor:
Et lux perpetua luceat eis.
 e brilhe para eles a luz eterna.

Sendo Verdi o grande compositor de óperas que era, natural que a música tivesse uma força dramática muito além do usual numa obra religiosa. Que outro Réquiem tem no "Dies iræ" um Deus tão terrivelmente irado? E quando o "Ingemisco" foi tão genuíno na esperança de misericórdia? Nunca. Como nunca o grito desesperado da soprano no "Libera me" final jamais foi tão verdadeiro ao implorar por sobrevivência transcendental. Ele usou, como não poderia deixar de fazê-lo, todos os recursos que conhecia para dar veracidade ao texto.

Tal grandiloqüência e espetaculosidade levou a críticas ácidas e virulentas na época. Mesmo o grande regente Hans von Bülow, partidário (e vítima) de Wagner, não conseguiu enxergar as qualidades desta poderosa peça qualificando-a com desdém de "ópera travestida de música liturgica". Por incrível que pareça, quem saiu em defesa foi o recolhido Brahms: "Bülow fez de si um asno eterno com tal comentário, pois somente um gênio poderia escrever algo assim". E é até verdade a avaliação de Bülow, mas isso não diminui o valor deste Réquiem, que hoje já não precisa mais de defesa. 

© RAFAEL FONSECA