(1875) TCHAIKOWSKY Concerto para piano n. 1

Compositor: Piotr Ilyich Tchaikowsky 
Número de catálogo: Opus 23 / ČW 53
Data da composição: novembro de 1874 a 21 de fevereiro de 1875, revisado em 1879 e 1888
Estréia: 25 de outubro de 1875, em Boston - Hans von Bülow ao piano, Benjamin Johnson Lang na regência

Duração: cerca de 35 minutos 
Efetivo: o piano solista; 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, e as cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)

O “Concerto de Tchaikowsky” — como se fosse o único, mas existem outros dois — é uma força da natureza. Essa energia não aparece em seus sucessores, que pouco ou nenhum espaço tem no repertório hoje.

Firmou-se como o mais popular Concerto para piano de todo o repertório, e em nada perde de sua visceralidade a cada audição. A qualidade da música é inequívoca, e o embate entre piano e orquestra é feroz. Tchaikowsky escrevia à sua protetora, Madame Von Meck, que assim via um Concerto, uma disputa entre duas forças iguais; e pela primeira vez o piano teve de enfrentar a orquestra como se pudesse excedê-la. Certamente, o próprio autor e suas questões pessoais ante a sociedade da época.

I. Allegro non troppo e molto maestoso — Allegro con spirito (Não tão rápido e muito majestoso — Rápido e espirituoso) — cerca de 20 minutos
Um poderoso chamado das trompas, implacável, sacode a audiência. Uma melodia caudalosa e exacerbada é entoada pelas cordas, enquanto o piano martela acordes tonitruantes. A introdução, assim descrita, não terá um décimo do impacto causado por esta música ecoando em qualquer ambiente. A melodia das cordas, tão marcante, (e que não reaparece mais ao longo da obra!) foi inspirada em um canto-lamento que Tchaikowsky ouviu de pedintes cegos num mercado de Kamenka (cidede próxima a Kiev). A profusão de criatividade que se segue, as melodias irresistíveis, a conclusão triunfal, tudo traduz o compositor em sua melhor forma.

II. Andantino semplice – Prestissimo – Tempo I (Sem arrastar e com simplicidade — O mais rápido possível — Volta ao tempo inicial) — cerca de 7 minutos
O pizzicato (beliscar das cordas) deixa pingar as lágrimas de comoção enquanto a flauta desenha uma melodia tocante e encantadora. O piano responde com poesia. A trompa e depois o violoncelo entram no jogo, num efeito enternecedor. Aos poucos, a atmosfera vai se agitando, até que o piano nos joga na seção central do movimento, ultra-rápida e cheia de energia, que nos remete às danças do folclore russo. Após um ataque brusco da orquestra, a melodia do piano rodopia no ar e cai de novo no tema do início do movimento, e cabe ao oboé apoiá-lo até a conclusão da frase, que dissolve-se como um suspiro.

III. Allegro con fuoco – Molto meno mosso – Allegro vivo (Rápido com fogo — Bem menos movimentado — Rápido e vivo) — cerca de 6 minutos
Um corte abrupto da orquestra — e para aumentar esse impacto, os regentes optam por atacá-lo sem interrupção com relação ao movimento anterior — nos coloca numa atmosfera totalmente diversa e agitada. É neste finale que o enfrentamento entre o piano e a orquestra é mais nítido: há um momento em que a orquestra sobe em escalada e alcança um fortissimo e deixa, como num vácuo, espaço a ser preenchido pelo piano, de mesma força e intensidade. Outra vez temos a riqueza de ideias tão característica do autor, suas melodias que escorrem fáceis e potentes. A conclusão é magnífica e vem levando as plateias ao delírio.

Mas... no início não foi fácil: Tchaikowsky mostrou a obra, logo ao concluir a parte do piano, a seu amigo e professor, o pianista e compositor russo Nilokaj Rubinstein. Contrariado por ver seu pupilo surgir com uma obra tão ambiciosa sem ter sido consultado em questões técnicas (Tchaikowsky não era tão íntimo do instrumento, mas Rubinstein era exímio pianista), este teve uma reação horrenda. Tchaikowsky tocou todo o primeiro movimento e o amigo e mentor não esboçou reação alguma, provocando enorme desconforto aos presentes na sala. Tentando não se abalar, Tchaikowsky tocou o resto da obra, e... nada! Inquieto, ele perguntou: — "Então?". Não bastava ter classificado a obra de “inexeqüivel, ruim e vulgar”, Rubinstein tomou o banco do piano para debochar de certas passagens, acusar Tchaikowsky de plágios, mal gosto e mediocriadade. Dada a indelicadeza reinante, Rubinstein tentou ajeitar as coisa e chamou Tchaikowsky numa sala anexa, e com mais cuidado (inútil, pois a humilhação frente a outros colegas presentes já tinha sido feita) fez nova avaliação, porém com todas as mesmas críticas: a ordem era, na prática, re-escrever tudo. Magoadíssimo, Tchaikowsky limitou-se a responder, seco: — “Não vou alterar uma nota sequer, vai ser publicado exatamente como está”.

Procurou o célebre pianista e regente Hans von Bülow que aceitou estrear a obra, mas seria do outro lado do Atlântico, já que ele estava saindo em turnê. O Concerto foi bem acolhido, mas o sucesso retumbante só viria mesmo 3 anos depois, na Exposição Universal de Paris em 1878. Ironicamente, na ocasião, foi apresentado por... Nikolaj Rubinstein!
 
© RAFAEL FONSECA



Ouça também a versão original da estréia,
antes das revisões, na qual as diferenças mais marcantes são
a introdução do piano (mais "arpejada"), e o finale (mais prolixo):