(1808) BEETHOVEN Sinfonia n. 6 "Pastoral"

Sinfonia Pastorella
Pastoral-Sinfonie oder Erinnerungen an das Landleben, Mehr Ausdruck der Empfindung als Mahlerei
(Sinfonia Pastoral ou memórias da vida no campo, mais a expressão de sentimentos que pintura descritiva)

Compositor: Ludwig van Beethoven
Número de catálogo: Opus 68
Data da composição: 1808
Estréia: 22 de dezembro de 1808 — Theater an der Wien, Viena, regência do autor

Beethoven já havia mudado radicalmente o escopo de uma Sinfonia ao escrever a sua Terceira, a “Eroica”, em 1804. Nela, uma Sinfonia deixava de ser a simples busca estética da beleza para encampar uma ideia, uma filosofia — naquele caso, a homenagem à figura revolucionária do General Napoleão Bonaparte. E tudo iria mudar ainda mais com a Quinta, a poderosa obra rítmica que enuncia-se com o famoso “tam-tam-tam-taaaam”. Com a Quinta, ainda que não haja um homenageado, ou um programa, consolida-se a verve da Sinfonia Romântica, visceral, ansiosa por alcançar as inquietações do ouvinte.

Mas a “Pastoral” iria ainda mais fundo no que tange à expressão do autor de algo íntimo: nela, Beethoven retrata seu amor pela Natureza e descreve — numa obra programática — sua relação com o campo. A narrativa supõe um observador, expediente inovador que Mahler irá sabiamente explorar quase um século depois. Segundo o próprio Beethoven, a obra se subdivide em 5 momentos distribuídos em 3 grandes partes:

I. Erwachen heiterer Empfindungen bei der Ankunft auf dem Lande ou O despertar dos sentimentos alegres com a chegada ao campo, em Allegro ma non troppo. É o início da jornada. Beethoven nos coloca em contato com a Natureza, com melodias solares e enternecedoras. É um choque saber que esta obra foi composta em simultâneo com a Quinta Sinfonia, tão diferente e tão oposta! Como quem olha à volta, encantado com o que vê, o observador avança, ouve pássaros, sente a brisa, alegra-se. Note-se que, como bem adverte o subtítulo da obra, “mais expressão que pintura”, tudo é subentendido, não sendo nenhuma dessas sonoridades claramente imitativa.

II. Szene am Bach ou Cena à beira do riacho, em Andante molto moto. O movimento lento, como pedia a tradição de Haydn, vem como evocação pura. A Natureza “fala” pelas vozes da orquestra. Ouve-se o ondulado caminho das águas — num estilo que lembra Bach, que não seria de estranhar se o bach, riacho, usado no descritivo subtítulo do movimento, não fosse uma descarada homenagem ao grande compositor (embora eu nunca tenha lido nenhuma referência a esse respeito em nenhum dos biógrafos ou comentaristas clássicos).

A partir daqui, as próximas 3 partes são tocadas sem interrupção, como um único grande movimento.

III. Lustiges Zusammensein der Landleute ou A alegre reunião dos camponeses, em Allegro. Cumprindo as funções de Scherzo, lembra canções populares, os sentimentos mais simples, a alegria da gente mais genuína e desarmada. De repente instala-se um clima de suspense e algo se anuncia...

IV. Gewitter, Sturm ou simplesmente Tempestade, em Allegro. Com um ímpeto somente comparável a momentos da sua irmã bi-vitelina Quinta, essa Tempestade excede a expectativa por uma tradução musical dessa força da Natureza. Os ventos, os raios e trovões, o temor despertado, está tudo ali. Aos poucos a chuva vai dissipando-se e pode-se ouvir os pingos últimos, que gotejam das folhas altas. Aos poucos, a tormenta saiu de cena e vai dando lugar à música do final.

V. Hirtengesang — Frohe und dankbare Gefühle nach dem Sturm ou Canto dos pastores — Sentimentos de alegria e gratidão depois da tempestade, em Allegretto. Beethoven estabelece aprazível atmosfera, num dos finales mais jubilosos e pacificadores já escritos. A alegria dos pastores e seu “hino em ação de graças” pelo fim da tempestade é de força inconteste, ao mesmo tempo doce, expressão de felicidade e grandiosidade. Aqui pode se sentir ainda mais o contraste desta com a Sinfonia criada ao mesmo tempo, a Quinta, de final tão contundente e vencedor. Na “Pastoral”, o sentimento também será de vitória, mas num cântico mais envolvente, bem menos conflituoso. Beethoven faz nascer o sol, dentro de cada um que ouve essa obra; faz-nos lembrar que somos parte da Natureza, tocando-nos no ponto mais essencial a essa compreensão: o sentimento.

© RAFAEL FONSECA