(1877) TCHAIKOWSKY Sinfonia n. 4

Compositor: Piotr Ilyich Tchaikowsky
Número de catálogo: Opus 36 / ČW 24 / TH 27
Data da composição: de maio a 26 de dezembro de 1877
Estréia: 22 de fevereiro de 1878 em Moscou, regência de Nikolaj Rubinstein

Duração: cerca de 45 minutos
Efetivo: 1 flauta-piccolo, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, 1 tuba, tímpanos, triângulo, pratos, bumbo e as cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)

A questão da sexualidade era algo que estava mobilizando a atenção de Tchaikowsky nos idos de 1876. Após uma viagem realizada junto a seu irmão Modest — homossexual como ele —, Tchaikowsky pôs-se a avaliar a inconveniência de uma relação homoafetiva na sociedade de sua época. Aos 36 anos, solteirão, ele temia que a boataria começasse. Ele nunca se sentiu drasticamente culpado por ser gay. Mas a possibilidade de escândalos envolvendo seu nome era-lhe insuportável e ele planejou um casamento. Mas, com quem?
 
Antonina Miliukova tinha sido sua aluna no Conservatório e nutria por ele uma paixão secreta, desde então. No início de 1877, ela declara seu amor por carta, carta esta que chega ao coração de Tchaikowsky num momento de duplo questionamento: a tal necessidade de casar-se somada ao dissabor de um rompimento com um aluno, Iosif Kotek, violinista 15 anos mais jovem, por quem estava enamorado. Segundo Modest escreveu, Tchaikowsky mal se lembrava de Antonina. Mas sua urgência era o casamento, e ela ainda trazia um dote considerável, num momento no qual ele estava desesperado com sua situação financeira. Ele achou que poderia estabelecer com ela um casamento “espiritual”, mas sua explicação do que seria esta união sem sexo não ficou muito clara para a moça que, de acordo com algumas fontes, era um pouco ingênua (e, segundo o compositor, uma alma tosca).
 
O casamento ocorreu em julho de 1877 sem dar tempo a nenhum amigo ou parente de interferir, na tentativa de evitar o que estava por vir. Após 20 dias, a união permanecia “não-consumada”, levando Antonina ao desespero. Ele, por seu lado, exasperou-se com o temperamento e a convivência com ela. Inacreditavelmente, deixou a esposa para trás e foi refugiar-se na Ucrânia, na casa da irmã. Um mês e meio depois, Tchaikowsky tentou, novamente, tornar viável a relação. Depois de pouco mais de uma semana, à beira de um ataque histérico, ele a abandonaria para sempre – nunca mais se viram – deixando-a em Moscou e indo para São Petersburgo, onde um médico proibiu-o de voltar a vê-la, tal era seu estado nervoso.
 
E 1877 é também o ano de início do mecenato de Nadezhda von Meck, uma importante patronesse das artes, que dava suporte a Nikolaj Rubinstein e mais tarde daria a Debussy. Mas sua relação mais famosa foi mesmo com Tchaikowsky. Eles nunca se encontraram. Fazia parte da proposta de mecenato dela que eles permanecessem assim, amigos epistolares. É para ela, "mon meilleur ami" (meu melhor amigo), que ele dedica a Sinfonia. Depois da estréia, ele escreve a ela: — "Há, na verdade, um 'programa' em nossa Sinfonia. Quero dizer, uma possibilidade de se explicar verbalmente o que a música busca expressar. E só à senhora eu posso e desejo indicar tais significados".
 
I. Andante sostenuto — Moderato con anima — Moderato assai, quasi Andante — Allegro vivo
(A passo de caminhada sustentado — Moderado com vida — Mais moderado, quase a passo de caminhada — Rápido e vivo) — cerca de 18 minutos
Os tais significados acima eram suas angústias frente a esse casamento, às respostas que ele se via obrigado a dar à sociedade, ou seja: essa inexorável força que ele chamava de fatum (destino) que enuncia-se na fanfarra que abre a Sinfonia e que percorre toda a o obra. O implacável destino que impede a felicidade, segundo suas próprias palavras. E os lampejos de alegria hão de ser sempre vencidos. Após a poderosa força do destino entoada pelos metais, uma valsa de respiração difícil, bastante angustiada, tenta se desenhar, assim como outras melodias de colorido alegre, todas implacavelmente interrompidas pela fanfarra impositiva. O movimento é de grande inspiração, e ainda que sua audição provoque o sentimento de sobressalto, a maneira como Tchaikowsky manipula as forças sinfônicas é fascinante.

II. Andantino in modo di canzona (Sem arrastar, à maneira de uma canção) — cerca de 9 minutos
O segundo movimento é poético e triste, trazendo na angustiada melodia do oboé o que o autor descreveu como "uma fase de angústia", "aquele estado melancólico que experimentamos ao cair da tarde",  e ele acrescenta "Tomamos um livro mas este nos cai das mãos... Somos tomados por uma onde de recordações, tristes ante tantas coisas acontecidas e acabadas, mas também prazeirosas, pela evocação da juventude... Lamentamos o passado mas não há o desejo de recomeçar a viver". Nas reflexões do autor, certamente suas dúvidas diante da vida lhe são avassaladoras, e o caminho a seguir se insinua árduo e difícil.

III. Scherzo: Pizzicato ostinato — Allegro 
(Divertidamente: Beliscando as cordas insistentemente — Rápido) — cerca de 6 minutos
O Scherzo é sôfrego, de respiração entrecortada, com as cordas tocadas com os dedos — pizzicato — sem o arco, criando um efeito nervoso, quando na maioria das vezes que se pede tal recurso é para se ter delicadeza. Diz ele: — "O terceiro movimento não expressa sentimentos definidos, são arabescos caprichosos, imagens conturbadas que passam pela cabeça quando bebemos um pouco de vinho...". No centro do movimento, ouve-se uma melodia de apelo vulgar e ao longe uma banda militar, como se ele quisesse criar a cena dessa embriaguês, na qual ele fugiria da realidade imposta.

IV. Finale: Allegro con fuoco (Final: Rápido com fogo) — cerca de 9 minutos
O Finale, um dos mais feéricos da literatura sinfônica, toma emprestado a balbúrdia de uma festa popular. Escreve ele que "se não encontras alegria em ti mesmo, busca-a nos outros [...] caminha entre o povo, que sabe se divertir entregando-se à alegria indiscriminada". É a tentativa de sair por cima, de vencer, superar a própria dor e seguir em frente. Confiante, o sujeito desta Sinfonia ainda ouvirá o aviso do destino na fanfarra inexorável, que retorna perto da conclusão do movimento, mas agora isso já não importa mais, e a Sinfonia termina positivamente, retumbante, num regozijo orquestral que poucas vezes uma platéia pode experimentar.

© RAFAEL FONSECA