(1888) MAHLER Sinfonia n. 1 "Titã"

1889 — Sinfonische Dichtung in zwei Teilen auf (Poema Sinfônico em duas partes) 
1893 — Titan, eine Tondichtung in Symphonieform (Titã, Poema sinfônico em forma de Sinfonia)
1896 — Erste Sinfonie (Primeira Sinfonia)

Compositor: Gustav Mahler
Número de catálogo: MW 1
Data da composição: 1884 a março de 1888 (revisões em 1893, 1896 e 1906)
Estréia: 20 de novembro de 1889 — Budapeste, Mahler regendo a Filarmônica de Budapeste

Duração: de 47 a 57 minutos
Efetivo: 4 flautas (3 delas alternando com flauta-piccolo), 4 oboés (1 alternando com corne-inglês),
4 clarinetas (1 alternando com clarineta-baixo), 3 fagotes (1 alternando com contra-fagote), 7 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, 1 tuba, 2 tímpanos, pratos, triângulo, gongo, bumbo, harpa, as cordas (primeiros- e segundos violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)

Em 1884, apaixonado pela cantora Johanna Richter, Mahler escreveu um ciclo de canções intitulado "Lieder eines fahrenden Gesellen" (Canções de um companheiro de viagem), cuja segunda das 4 canções, "Ging heut Morgen übers Feld"* (Caminhei pelos campos hoje de manhã) — a mais graciosa do conjunto — é reutilizada nesta obra, aproveitando-se a melodia como tema principal da Sinfonia. Certamente, Mahler a transforma no personagem desta "trajetória" que é sua Primeira Sinfonia. Que, a princípio ele chamou de Poema Sinfônico! E que, até a apresentação de 1896 em Hamburgo, tinha 5 movimentos, um dos quais foi descartado, o "Blumine" (Floral), que era na versão primeira o segundo movimento.

Na segunda versão é que a obra ganha o título "Titã", já que outra fonte de inspiração para o compositor foi o livro homônimo do escritor Jean Paul (Johann Paul Friedrich Richter, 1763-1825), obra literária que narra a trajetória de um herói que conta apenas com sua retidão moral frente à corrupção do mundo. Esta segunda versão ainda mantinha o movimento "Blumine" — belo, mas que não tem a força dos demais — e propunha um esquema em duas partes que tratavam da juventude e suas provas na primeira (atuais movimentos I, Blumine e II), e da miséria humana na segunda (III e IV).

A versão definitiva, que se apresenta hoje, aboliu o movimento "Blumine", assim como o recusou programa em duas partes e também o título, embora hoje seja comum que a chamemos "Titã". Ficou, então, com 4 movimentos:

I. Langsam, schleppend: Wie ein Naturlaut — Immer sehr gemächlich 
(Devagar, arrastando-se: Como sons da Natureza — Sempre muito devagar) — de 13 a 16 minutos
Como na Nona de Beethoven, parece um som que surge do nada; como na vida musical, parece uma longínqua afinação dos instrumentos da orquestra. Como na Natureza, evoca em tradução sonora a primeira luminosidade que antecede o dia. Aos poucos, sons fugidios passam de relance: um pássaro, talvez um inseto, o vento nas folhas (impossível não pensar na "Pastoral" de Beethoven!). Devagar, o tema valsante do personagem insinua-se a partir dos violoncelos até nos envolver em sua melodia poderosa (*). Segundo as antigas notas de programa que acompanhavam as primeiras versões da obra, essa é a "Primavera sem fim" e deve muito a Schumann e sua Primeira Sinfonia. O desenvolvimento deste movimento é bem livre, sem apoiar-se na forma-sonata das Sinfonias tradicionais, bem mais preocupado em seguir o fluxo da irresistível canção pré-existente (*).

II. Scherzo: Kräftig bewegt, doch nicht zu schnell — Recht gemächlich
(Scherzo: Vigorosamente agitado, mas não muito rápido — Bem devagar) — de 6 a 9 minutos
O segundo movimento remete aos Minuetos das Sinfonias Clássicas — sobretudo as de Schubert — mas tendo como base um Ländler (espécie de valsa primitiva) e conta com a introdução de um elemento grotesco nos trumpetes tocados com surdina. A seção central terá ares de uma valsa lenta e escorregadia, de grande sedução. O vigoroso Ländler retorna e conclui o movimento.

III. Feierlich und gemessen, ohne zu schleppen — Sehr einfach und schlicht wie eine Volksweise — Wieder etwas bewegter, wie im Anfang
(Solene e compassado, sem se arrastar — Muito simples e direto à maneira popular — Algo mais forte, tal como no início) — cerca de 10 minutos
O terceiro movimento é desconcertante: se lembramos das palavras do próprio Mahler, que adorava cultivar a própria dor contando de sua infância repleta da morte prematura de vários irmãos, explica-se novamente o uso do grotesco na transmutação da melodia infantil "Bruder Martin" — que na nossa cultura é mais conhecida na versão francesa "Frère Jacques" — em uma marcha fúnebre que inicia-se executada no contra-baixo em seu registro mais agudo (e ainda mais desconcertante), enquanto um oboé parece debochar daquele luto. A folhas tantas, uma melodia que muito bem lembra a de um casamento judaico é tratada com a maior ironia; seria Mahler retratando seus pais? O "Frère Jacques" fúnebre retorna e vai dissolvendo-se até o último toque de tímpano que...

IV. Stürmisch, bewegt — Energisch
(Tempestuoso, comovido — Enérgico) — de 17 a 20 minutos
[...] é seguido, sem aviso à platéia, de uma tonitruante explosão da Tempestade (mais uma semelhança com a "Pastoral" de Beethoven). Mahler aqui mostra a que veio: sua orquestração neste movimento é uma das passagens mais instigantes que um conjunto sinfônico pode executar. Como queria o programa daquelas primeiras versões, este seria o caminho "Dall'inferno al Paradiso". É "apenas a súbita expressão de um coração profundamente ferido", disse Mahler. O herói é atingido 3 vezes e a cada uma delas reergue-se com cada vez mais força. Na passagem final, como quem relembra, lampejos dos movimentos anteriores são inseridos (recurso que remete, outra vez, à Nona de Beethoven) e o herói finalmente triunfa. Para aumentar o efeito da fanfarra final, Mahler pede na partitura que os trompistas (e são 7!) toquem de pé. Como um indício de que a saga desse herói irá continuar na Segunda Sinfonia, Mahler cria um efeito de rotação alucinante na conclusão para "retirar o som" abruptamente, deixando a audiência sem fôlego.

© RAFAEL FONSECA