(1876) BRAHMS Sinfonia n. 1

Compositor: Johannes Brahms
Número de catálogo: Opus 68
Data da composição: de 1854 a 1876
Estréia: Karlsruhe, 4 de novembro de 1876 — regência de Felix Otto Dessoff

Duração: de 45 a 55 minutos
Efetivo: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 1 contra-fagote, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpano, as cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos, e contra-baixos).

Em 1853, um jovem de 20 anos bate à porta de Robert Schumann em Düsseldorf: era Brahms, com uma carta de recomendação de Joseph Joachim nas mãos, queria estudar composição com o melhor professor da Europa. Schumann saúda o talento do pupilo com um artigo no jornal intitulado "A Nova Águia" e enaltecendo a gradiosidade de sua música para o piano, que, segundo ele, fazia o instrumento soar ao limite, como uma orquestra. Fez-se, então, a pressão para que Brahms iniciasse a composição de uma Sinfonia. Os primeiros esforços resvalaram para um Concerto para piano, o Primeiro, e em 1854 novos esboços se iniciam, mas vão se arrastar por mais de 2 décadas! Brahms uma vez disse ao maestro Hermann Levi: — "Eu nunca vou compor uma Sinfonia! Você não pode imaginar o efeito que tem, num homem com o espírito como o meu, ouvir os passos de um gigante atrás de si!".  O gigante, evidentemente, era Beethoven.

A tarefa de dar continuidade ao legado das 9 Sinfonias de Beethoven, ao chegarmos à metade do século XIX e passados 33 anos da morte do mestre de Bonn, continuava em aberto. Sinfonias de Schumann ou Mendelssohn ligavam-se esteticamente mais a Mozart e ao Classicismo que a Beethoven. Houve Schubert, mas esse era mais haydniano, embora com toques beethovenianos. A angústia de Brahms era compreensível. Wagner, na mesma época, achou impossível escrever Sinfonias, pois o gênero estava encerrado com a Nona de Beethoven; tanto que acabou por transformar as óperas em longas Sinfonias, e a única tentativa dele em fazer uma Sinfonia, aquela em 4 movimentos, é um desastre total (e hoje, ninguém toca, nunca). 

Os anos foram passando e os Concertos, o Réquiem Alemão, as Aberturas, obras orquestrais de vulto, diziam aos amigos de Brahms que ele era, sim, capaz de compor uma Sinfonia. Mas ele esperou a maturidade dos 40 e com 43 anos coloca o ponto final nessa obra magnífica. Apenas a título de comparação, Beethoven, com a mesma idade, já havia composto 8 de suas 9.

Formalmente, ela é uma Sinfonia tradicional, com 4 movimentos, e com uma orquestra modesta para a época, remetendo ao tamanho da orquestra que tinha Beethoven 50 anos antes.

I. Un poco sostenuto — Allegro — Meno allegro
(Sustentando um pouco — Rápido — Menos rápido) — cerca de 20 minutos
A orquestra está posta, o spalla já conferiu a afinação do conjunto, o maestro entra. Agradece os aplausos, vira-se, empunha a batuta e... Uma avalanche de notas musicais, represadas de 1854 a 1876, é derramada sobre a audiência. Depois de 20 anos contendo o ímpeto, o Brahms sinfônico dá vazão a seu primeiro trabalho monumental. Essa introdução, implacável e — porque não dizer? — beethoveniana, foi acrescida depois do movimento estar quase pronto, mas que outra maneira de começar uma Sinfonia gestada por tanto tempo? As melodias são germânicas, ora marmóreas e ora docemente ternas. O senso de grandiosidade e força do legado de Beethoven finalmente encontra seu ponto de continuidade. Brahms é menos enfático, mais poético que Beethoven, mas nesta Sinfonia ele é devedor inequívoco do ídolo que tanto admirava. Há em todo o primeiro movimento uma atmosfera de apreensão e o desejo de superação, de alcançar um novo patamar. E logo percebemos que há também certo orgulho e satisfação em saber que tais premissas estão sendo atingidas. Os chamados de trompa, uma característica de Brahms, dão seus primeiros avisos aqui, mas ainda irão dominar a cena no quarto e último movimento. Quando o movimento termina, percebemos que apesar do vulto de Beethoven ser percebido nas sombras da obra, o que a ilumina é o gênio consumado de Brahms, sua engenhosa maneira de propor as idéias musicais em camadas translúcidas e seu lirismo anguloso.

II. Andante sostenuto 
(Passo de caminhada sustentado) — cerca de 12 minutos
Após certa rigidez contundente do primeiro movimento, esse segundo é de um lirismo de rara beleza. Seu início é meio tristonho, mas logo a entrada de um solo de violino dará à atmosfera uma luminosidade toda especial. Interessante perceber o amor de Brahms pelas velhas fórmulas: a prática de colocar um ou mais solos nos segundos movimentos das Sinfonias vem das obras iniciais de Haydn, das décadas por volta de 1760. O movimento termina de forma tranquila.

III. Un poco allegretto e grazioso 
(Um pouco menos rápido e com graça) — cerca de 5 minutos
Aqui Brahms se afasta totalmente de Beethoven, neste movimento à moda de Scherzo, mas muito mais suave e com certa beleza rústica. A parte central é mais enérgica e chega a desenhar música impositiva e empertigada, mas logo a calma se re-estabelece com a volta ao encantador tema inicial.

IV. Adagio – Più andante – Allegro non troppo, ma con brio – Più allegro
(Com calma — Mais a passo de caminhada — Rápido mas não tanto, mas com brio — Mais rápido) — cerca de 18 minutos
O Finale é monumental. De início, a orquestra cria a sensação de apreensão e suspense, e logo os violinos em pizzicato vão, lentamente, criando a expectativa de algo grande. As frases crescem em escalada, como se a música buscasse galgar um ponto cada vez mais alto. Trompas! Elas entoam um chamado profético, e as flautas repetem o tema, como que iluminando um cenário idílico. A próxima frase, dos violoncelos, é a frase principal desse movimento. Foi para ouvirmos esta frase que as trompas estavam nos chamando a atenção. Alguns ouvem aqui uma citação à Nona Sinfonia de Beethoven, embora outras passagens que Brahms ainda irá criar em obras futuras — como o belíssimo terceiro movimento da Terceira Sinfonia — possam desmentir isso e garantir a originalidade do tema. Brahms vai criando uma tensão com os temas, como se acumulasse energia a cada vez que eles retornam, levando à conclusão efervescente da obra.

Após a estréia, havia no meio musical uma celeuma instalada por conta de um artigo de jornal. Brahms foi convencido a assinar um manifesto contra a idéia de que Wagner e Liszt eram os detentores da "Música do Futuro", como Wagner gostava de pregar. Acontece que o editor do jornal achou bom bem dar Brahms como o único signatário, o que lhe valeu a antipatia eterna do autor de "Tristão e Isolda". Ao ouvir a Primeira de Brahms, o maestro Hans von Bülow, ex-marido da então Senhora Wagner (Cosima, filha de Liszt), declarou ser aquela a "Décima de Beethoven", o que deve ter sido mais uma provocação a Wagner — que iniciou o romance com Cosima quando era hóspede de Bülow, dentro de sua casa — que um elogio a Brahms. Que, aliás, detestou o comentário...

© RAFAEL FONSECA


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