(1802) BEETHOVEN Sinfonia n. 2

Compositor: Ludwig van Beethoven
Número de catálogo: Opus 36
Data da composição: 1801 a 1802
Estréia: 5 de abril de 1803 — em Viena, no Theater an der Wien, regência do autor

Duração aproximada: 35 minutos
Efetivo: 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpano e as cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos, contra-baixos)

Um crítico presente à estréia escreveu que a Segunda Sinfonia soava como... "um monstro grotesco que se recusa a morrer e, sangrando, debate sua cauda furiosamente". Na alvorada do século XIX os ouvintes iam viciados numa espécie de favor que a música deveria lhe prestar. Outro pensador da época observou: — "E porque deveríamos esperar que o compositor fique preso às formas tradicionais, nos seja sempre lisonjeiro aos ouvidos e nunca nos abale?". Era um tempo de radicais mudanças, sociais, culturais e políticas. E a Segunda Sinfonia de Beethoven será a derradeira das Sinfonias do Classicismo. A forma, que Haydn — seu professor, aliás — cunhou com tanta elegância e esmero, teria de dar lugar a algo mais denso, rico em conteúdo, de acordo com os novos tempos. Essa mudança encontraria na próxima Sinfonia, a Heróica", o início dessa nova fase. E a presente obra é o último suspiro de uma maneira de escrever música, não por soar velha, mas justamente por trazer em si tantas novidades que obriga-se a forma a encontrar novos caminhos.

Aliás, outra crítica frequentemente feita a Beethoven nessa fase, era que ele priorizava a novidade em detrimento da beleza. Vejamos como nessa genial obra, ainda hoje subestimada, o espírito do Classicismo vê-se sem saída, deixando para a Terceira, a Heróica, a missão de iniciar o Romantismo. Beethoven toma por base a estrutura tradicional herdade de seu mestre Haydn, mas a cada página impõe algo transformador:

I. Adagio molto — Allegro con brio (Muito calmamente — Rápido e com brio) — cerca de 10 minutos
A Sinfonia tradicional, que a essa altura era explorada como gênero a pouco mais de meio século, tinha por expediente iniciar-se por uma introdução lenta (embora algumas exceções, muitas em Mozart, prescinda dessa introdução). Porém, essa primeira frase mais lenta era curta em relação ao movimento no qual está inserida e tinha como função mór tirar a platéia do silêncio e aos poucos colocá-la "na" música. Música essa que vinha na passagem rápida, que dominava o movimento. Era, portanto, uma introdução cujo tema era antecipação do tema principal, sugerido mas nunca firmemente desenhado.

Beethoven inicia essa obra de maneira incisiva, contundente. Mais que mero tema derivado, a introdução é lúgubre, tem força própria e domina a atenção do ouvinte de maneira diferente às quais estavam acostumados. É um trecho longo, perfazendo quase um terço do total do movimento. E dá lugar a uma dança vigorosa, vertiginosa, viril. Alguns autores querem ver essa obra como atípica no universo do autor, mas na verdade tudo aqui é puro Beethoven, embora haja um corpo de otimismo e graça que não será muitas vezes repetido ao longo da posterior criação dele. Certamente as circunstâncias de sua escrita, feita na aprazível localidade de Heiligenstadt, onde Beethoven adorava estar, para ali desfrutar do contato com a natureza, contaminam a essência da obra. Questiona-se ser ela contemporânea da Carta-Testamento na qual ele confessa ter pensado tirar a própria vida em face da surdez que agora ele sabia incurável e progressiva, trazer em si colorido tão leve. Ora, os momentos mais dramáticos e difíceis tem, em nossas vidas, muitas vezes, essa função: despertar a força interna que há em todos nós.

II. Larghetto (Sem arrastar) — cerca de 12 minutos
Um momento de grande sutileza. O andamento Larghetto era usualmente destinado a árias mais delicadas nas óperas, e Beethoven faz aqui os instrumentos cantarem com naturalidade. Ele consegue alcançar a beleza das passagens lentas das Sinfonias de Haydn, mas confere aqui à música uma atmosfera mais reflexiva, e até mesmo questionadora.

III. Scherzo: Allegro (Jogo: Rápido) — cerca de 4 minutos
Pela primeira vez um Scherzo, cuja origem do termo vem do italiano "brincadeira", figura numa obra sinfônica. Beethoven o coloca no lugar onde sempre, antes, figurava um Minueto, a dança tradicional da antiga corte francesa. Uma escolha política? Talvez, lembrando que a França passara pela Revolução, vivia sem Rei sob um Cônsul, uma nova e inesperada maneira de liderança. Se politicamente ficara para trás o Ancient Régime, Beethoven quis que com ele ficasse o Minueto e sua natureza gracejante e frívola. Agora era a hora de mais ímpeto, e a ironia e violência de seus Scherzi vinham para ficar, já que depois dele todos os compositores escreveriam Scherzi em suas Sinfonias.

IV. Allegro molto (Muito rápido) — cerca de 7 minutos
Este é o movimento que tanto chocou o crítico autor da frase com a qual abri esta análise. Contrariando o esperado, que seria um finale empolgante porém sucinto, Beethoven dá ênfase e musculatura extra nesse último movimento, já antecipando uma mudança significativa que ele impingiria em suas próximas Sinfonias, com finales cada vez mais importantes, até dar equilíbrio à estrutura, pois até então tudo de mais importante acontecia no movimento inicial. Aqui se resolvem as energias acumuladas durante os movimentos anteriores. A contundência das ideias, embora haja humor e leveza, é inusual para o ouvinte da época. Beethoven faz rugir a orquestra deixando a pista que tudo seria diferente. E foi.

© RAFAEL FONSECA

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