(1804) BEETHOVEN Sonata n. 21 "Waldstein"

Grade sonate pour le pianoforte composée e dediée a Monsieur le Comte de Waldstein

Compositor: Ludwig van Beethoven
Número de catálogo: Opus 53
Data da composição: 1803/4
Estréia: [provavelmente em audição privada, nos salões de Waldstein em Viena]

Duração: de 25 a 30 minutos
Efetivo: piano

A dedicatória tornou-se o título pelo qual a Sonata é conhecida, e merecidamente: Ferdinand Ernst Gabriel von Waldstein, Conde de origem tcheca, 8 anos mais velho que Beethoven, foi amigo, incentivador e patrono desde os tempos de Bonn (onde o Conde atuava como diplomata e conselheiro na Corte do Príncipe-eleitor de Colônia), e um dos principais artífices da mudança de Beethoven de Bonn para Viena.

Quando Beethoven escreveu a "Waldstein" ele estava tomado de admiração pelo instrumento em si. Devemos lembrar que o pianoforte era, à época, um mecanismo ainda em evolução, longe de atingir a perfeição técnica do piano de hoje (que assim se firma na segunda metade do século XIX). Ele havia acabado de receber da firma francesa Érard um pianoforte capaz de tocar algumas notas a mais que os instrumentos de até então. Esse teclado maior fascinou Beethoven na possibilidade de explorar notas antes impossíveis. E foi por essa razão que esta Sonata marca um ponto de virada, a abertura de um caminho novo na escrita pianística, uma nova concepção estética: Beethoven deixa de lado, definitivamente, toda e qualquer firula decorativa, e cada nota, cada acorde e cada arpejo são parte estrutural da construção do discurso musical.

I. Allegro con brio 
(Rápido com brio) — cerca de 10 minutos
A introdução já mostra a drástica mudança do pensamento musical de Beethoven, que influenciará todos os Românticos: ao invés de um início de exposição do tema delicadamente apoiado nos acordes de sustentação da melodia, ele cria um verdadeiro cenário, uma atmosfera musical através do obsessivo martelar dos graves enquanto nos agudos lampejam trechos do que seria uma frase musical. É como se o compositor, tendo diante de si a máquina nova, pensasse "bem, vamos ver do que isso aqui é capaz" e passasse a experimentar, furiosa e genialmente, o instrumento. Como só Beethoven é capaz, a energia emanada durante o movimento é de tirar o fôlego.

II. Introduzione: Adagio molto
(Introdução [do Rondò que irá vir a seguir]: Com muita calma) — cerca de 5 minutos
Beethoven escreveu para este segundo movimento uma página depois descartada, hoje conhecida como "Andante favori"; a substituição se deu pois ele não gostou de uma passagem tão longa (de quase 10 minutos) e hoje temos essa introdução ao Rondò-finale, que é como se ele quisesse que a Sonata se resumisse a dois grandes movimentos externos, tendo entre eles apenas um ponto de ligação. Esse Adagio molto cria uma atmosfera introspectiva, séria e acumula uma enorme tensão que irá explodir no Rondò, pois a partitura pede que se toque ambos os movimentos sem interrupção:

— attacca:
III. Rondò: Allegretto moderato — Prestissimo
(— de um movimento ao outro, sem pausa: 
Forma cíclica: Rápido moderado — O mais rápido possível) — cerca de 10 minutos
A melodia desse final é encantadora e mostra uma percepção de Beethoven que iria modificar a estrutura das obras, mudança essa que seria aplicada também nas Sinfonias a partir da Quinta (e que se mostra eficaz sobretudo na Nona), ou seja: de que a obra deve caminhar naturalmente para o final, e ser ele, o final, a apoteose definitiva da construção dramática — idéia que nos parece simples, mas que na época não fazia tanto sentido, pois todas as peças musicais tinham no primeiro movimento as passagens mais importantes e o restante da peça se dava como que conseqüência, mero desdobramento, e continuidade. O tema é utilizado em muitas repetições, mas de maneira evolutiva no tratamento do acompanhamento, criando uma sensação de crescimento e ápice infalíveis.

Três elementos devem, ainda, ser considerados na apreciação desta genial Sonata. O primeiro diz respeito à surdez de Beethoven, já declarada e conhecida de todos — no sentido de que não era mais segredo a ninguém do círculo íntimo dele — mas ainda não forte a ponto de prejudicar sua atuação como pianista. Certamente o afã com o qual ele se joga no teclado é produto da consiciência de que dali a pouco o mesmo prazer não seria possível. O segundo elemento é o período, sendo a Waldstein contemporânea da Sinfonia "Eroica" e tudo o que isso significa, seu apreço pela postura moral do artista. O terceiro é a inserção da Sonata na sociedade que vai recebê-la, para ouvir ou tocar. Falamos aqui de uma época em que estar experimentado num instrumento musical era muito mais comum na classe mais culta, mas a Waldstein não é acessível ao pianista amador. Com ela nascerá, de certa maneira, a figura do virtuose de recital.

© RAFAEL FONSECA