(1874) BRUCKNER Sinfonia n. 4 "Romântica"

Die Romantische

Compositor: Anton Bruckner
Número de catálogo: WAB 104
Data da composição: 2 de janeiro a  22 de novembro de 1874; 6 revisões de 1878 a 1888

Estréias: 
20 de fevereiro de 1881 em Viena, Hans Richter regendo a Filarmônica de Viena (versão 1880);
10 de dezembro de 1881 em Karlshure, Felix Mottl (versão 1881);
10 de dezembro de 1890 em Munique, Hermann Levi (versão hoje mais executada, retorno aos três movimentos da revisão de 1878 e o finale revisado em 1880);
20 de setembro de 1975 em Linz, Kurt Wöss regendo a Filarmônica de Munique (versão original de 1874)

Duração: de 1 hora a 1 hora e 10 minutos
Efetivo (da versão mais usual): 1 flauta-piccolo, 3 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, tímpano, pratos (dependendo da versão) e as cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)

Seria desgastante estabelecer aqui as inúmeras diferenças existentes entre as sucessivas versões da obra. Precisamos ter em mente que a versão inicial, nunca tocada em vida do autor, só viria a ser apresentada em 1975, cerca de 80 anos após sua morte. Numa revisão em 1878 Bruckner faria modificações em 3 movimentos e substituiria o Scherzo por uma peça totalmente nova e o finale era intitulado Volkfest (Festa popular). Mas esta não seria ainda a versão tocada pela primeira vez em Viena em 1881, que teve outro finale, deixando-se para trás o Volkfest (que pode aparecer em programas de orquestra como peça independente). Para uma segunda apresentação no mesmo ano, outras profundas modificações. São tantas as alterações feitas pelo próprio Bruckner (existem 13 versões no mercado de partituras!) que hoje em dia os regentes ficam à vontade para "montar" a sua Romântica, e o mais comum é usarem 3 movimentos da versão de 1878 e o finale da revisão de 1880.
   
Em essência, à parte um corte aqui, outro ali, a adição dos pratos ou a supressão de uma terceira flauta, a Sinfonia no todo soa sem grandes surpresas independentemente da versão apresentada. Somente ouvidos mais treinados poderão identificar algo diferente do que se habituaram a ouvir na sua gravação favorita. Mesmo o profundo conhecedor ficaria confuso se tentasse estabelecer qual edição o maestro estaria usando.

A Romântica é a mais popular das Sinfonias de Bruckner, pela facilidade de seus temas. Mas temos que ter cuidado com título: não é uma obra descritiva, com o título "Pastoral" em Beethoven nos direciona para uma experiência junto à natureza. Bruckner chegou a fazer alusões ao romance de cavalaria, a praças de torneio entre cavaleiros, torres medievais... Mas então, não seria ela uma Sinfonia "Medieval"? Nem tanto. Mahler, que foi discípulo informal de Bruckner no Conservatório de Viena, certa vez o questionou sobre as motivações e ouviu, perplexo, a seguinte resposta: — "Nem me lembro mais". Talvez por isso Mahler dizia que seu velho mestre era uma espécie de "um semi-deus meio bobo". 

I. Bewegt, nicht zu schnell
(Movimentado, mas não muito rápido) — cerca de 18 minutos
Como quase sempre em Bruckner, do silêncio ele retira um tremolo (um agitar nas cordas, baixinho, que cria a vibração inicial) e daí emerge o belíssimo chamado de trompa que já imprime a identidade da obra, meio wagneriana, sem dúvida. A imagem de citadelas, torneios e situações medievais — sugestão de dar à obra ares de música programática que Bruckner chegou a aceitar de amigos — pode empolgar uma mente mais criativa, mas é absolutamente desnecessária. As qualidades dos temas, o encadeamento das idéias, o impacto das massas sonoras, tudo é puro deleite para o ouvido que quer uma Sinfonia nos moldes clássicos (afinal, o autor nunca saiu do esquema de Haydn), com a pujança de Beethoven, o apelo dramático de Wagner (mesmo que não haja o compromisso de traduzir algum significado), e o quê de novidade da segunda metade do século XIX. Não foi à toa que este foi o primeiro sucesso que o compositor conheceu, depois de duas Sinfonias que ele próprio recusou, mais três que não obtiveram boa acolhida.

É aqui no movimento inicial da Quarta que Bruckner consolida seu modo de construção sinfônica, do acumular de energia através das repetições, da gradação, encorpando cada vez mais o tecido sonoro, criando a sensação de um crescendo cada vez mais imponente. Sempre com os contrastes, as quedas abruptas, as pausas quase desconcertantes, e a beleza lírica e meio art-noveau (décadas antes de seu surgimento!) das frases. O chamado de trompa inicial, que reapareceu ao longo do movimento algumas vezes, retorna apoteótico no final do movimento numa conclusão épica.

II. Andante, quasi Allegretto
(Confortavelmente, mas sem arrastar) — cerca de 16 minutos
O segundo movimento é meditativo e de material bem simples. No "programa medieval" depois descartado seria o amor cortês dos Aberlardos e Heloísas ou Romeus e Julietas. Bruckner nos conduz por episódios de pura melancolia, cria ares de marcha fúnebre, transita por passagens que nos remetem a corais religiosos (essa sim, a grande vocação do autor, a música vocal da tradição católica). Um caso único no legado de Sinfonias de Bruckner em que o movimento lento não é um Adagio (mais vagaroso e solene que o aqui escolhido Andante). Há um certo sentimento de apreensão que permeia todo o movimento.

III. Scherzo: Bewegt — Nicht zu schnell, keinesfalls schleppend
(Divertidamente: Agitado — Não muito rápido, mas sem arrastar) — cerca de 10 minutos
A única passagem que, até hoje, é lembrada pelo programa abandonado: todos querem ouvir aqui uma caçada medieval. As trompas voltam a desempenhar papel crucial no desenrolar das idéias musicais. Temos talvez o Scherzo mais interessante do autor, engenhosíssimo, cheio de sons evocativos, de resultado impetuoso e empolgante. O miolo do movimento apresenta uma passagem contrastante de ares campestres, um Ländler (precursor da valsa) de grande delicadeza. E o tema "de caçada" da abertura do movimento retorna ainda mais feérico para concluir com grande força.

IV. Finale: Bewegt, doch nicht zu schnell 
(Final: Agitado, mas sem ficar muito rápido) — cerca de 20 minutos
De tudo que se lê sobre Bruckner, seu temperamento extremamente tímido e inseguro, sua maneira de agir à beira do constrangimento alheio pela rusticidade e falta de traquejo, impressiona a majestade desse finale. Ainda que o finale que ouvimos hoje (geralmente aquele proposto para a versão de 1880) difira totalmente do Volkfest inicialmente planejado, ambos trazem uma auto-confiança inédita. A Quarta (que na verdade é a sexta, contando duas obras que ele quis manter desconhecidas) inaugura a séria das grandes Sinfonias deste que será reconhecido, posteriormente, como o maior sinfonista do século XIX depois de Beethoven. Mahler só pôde ser Mahler por seu contato e admiração por Bruckner. É o sentido de grandiloqüência em constante expansão que faz de Bruckner esse compositor tão especial. É como se pegássemos a Sinfonia de Haydn e passássemos pelo filtro do imponente órgão da abadia de Sankt Florian (onde o compositor viveu boa parte de sua infância, adolescência e juventude), pegando emprestado da ornamentação barroca do edifício o sistema de repetições, de adornos, de volutas e anjinhos, e resultando numa obra mais extensa, mais titânica e mais impactante; mas, ainda assim, com a elegância clássica do velho mestre.

Mas falávamos dessa auto-confiança que aqui soa como novidade, para quem conhece bem as Sinfonias precedentes do autor. Podemos creditar esse sentimento a um sucesso vivido pelo compositor em cidades como Londres e Paris, aclamadíssimo por seu virtuosismo como organista. Isso provocou na alma de Bruckner um ímpeto novo ao escrever música. Esse finale, com sua veia fortemente wagneriana — sempre uma paixão evidente — e com o retorno vitorioso daquele chamado de trompa que ouvimos lá no início da obra, com uma habilidade sem precedentes em criar a sensação de estarmos subindo, mais e mais, rumo ao topo da montanha, com a vitória expressa em júbilo sinfônico num acorde final retumbante.

© RAFAEL FONSECA

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